Uma das obrigações societárias que se repete todo
ano, seja qual for o porte da empresa é a exigência legal de que sejam
convocadas as Assembleias Gerais Ordinárias, no caso das sociedades anônimas e
as Reuniões Anuais de Sócios, no caso das sociedades limitadas. Tais obrigações
encontram-se claramente fixadas nos respectivos teores dos artigos 132 da Lei
das S/A e o Art. 176 do Código Civil de 2002.
Eles contêm expressa ordem aos Administradores de que precisam
realizar os atos preparatórios para que, ao final do mês de abril de cada ano,
salvo a hipótese de o exercício financeiro da empresa não coincidir com o ano
civil – sejam avisados os acionistas ou cotistas de que haverá uma oportunidade
para que tomem ciência das contas da empresa e possam deliberar ao seu
respeito.
E as mesmas leis, em tese, pressupõem que, uma vez que tais
eventos possuem a prerrogativa de deliberar pela aprovação dos balanços e
demonstrações financeiras dos exercícios findos, que os mesmos sejam
publicados, quando for o caso ou encaminhados aos interessados, com prazo de
antecedência suficiente para que os mesmos possam chegar ao encontro aptos a
questionar e deliberar sobre o seu inteiro teor.
A questão que se coloca é se na hipótese de não estarem
totalmente prontos justamente os principais documentos sobre os quais se daria
a principal discussão da pauta, quais sejam o balanço e as demonstrações
financeiras, se ainda assim estariam os Administradores de uma empresa
obrigados a convocar a Assembleia ou Reunião.
Tal questionamento é importante diante de situações complicadas
que tem envolvido grandes empresas brasileiras nos últimos tempos e dado o
crescente interesse coletivo da base de investidores no mercado de ações
brasileiro. E também como um elemento de cultura empresarial que precisa ser
mais popularizado, não apenas nas empresas abertas, bem como nas pequenas e
médias, pois se relaciona ao principio da transparência, base de qualquer
política de boa governança corporativa.
Neste diapasão, o espírito da legislação societária brasileira
indica que, independente de se ter os documentos aptos a serem objeto de
deliberação imediata, há obrigação de se convocar a Assembleia de acionistas ou
Reunião de sócios, visando a garantir, pelo menos, que tais interessados
diretos tenham a oportunidade de se reunir com os administradores e compreender
o que está se passando com a empresa.
Na prática, pode parecer que a AGO ou a reunião anual de sócios
será esvaziada. Mas não. Com certeza, um dos assuntos que serão objeto de
longos debates e explicações será o porquê de o balanço e as demonstrações não
terem ficado prontas a tempo do encontro que, como já dito, é uma obrigação
anual e com data previamente marcada. Portanto, haverá que se justificar o
atraso ou a impossibilidade da conclusão dos documentos, por exemplo, em
virtude de problemas nos trabalhos de auditoria independente, quando houver,
sob pena se criarem ainda mais dúvidas sobre o fato.
E, poder-se-á então fixar uma nova data para que, uma vez
superadas as dificuldades e concluído o trabalho dos Contadores, Auditores e
Administradores, seja agendado novo encontro. Agir de outra maneira pode ter
efeitos negativos que poderão ser piores do que o constrangimento de explicar o
atraso, muitas vezes injustificável.
E sendo a companhia uma empresa com papéis negociados em Bolsa
de valores, seja brasileira, seja em segmentos de listagem internacional, o
efeito da não divulgação dos balanços é imediato na reputação da companhia e as
perspectivas sobre o seu futuro, o que normalmente já implica em uma
precificação pior, em virtude das incertezas que a falta de informações traz
aos analistas e investidores do mercado.
Outrossim, ainda em se tratando de companhia aberta, haverá
necessariamente aplicação de sanções pela Comissão de Valores Mobiliários –
CVM, inclusive de natureza pecuniária. Interessante é que jurisprudência da CVM
indica a tendência de uma punição maior no caso de não convocação das
Assembleias Ordinárias, do que pelo simples fato de não divulgação do balanço
anual.
Tal fato parece compreensível e lógico à luz do exposto acima,
uma que vez os Administradores terão sido transparentes com os stakeholdersquanto
à impossibilidade de se divulgar o balanço e demonstrações financeiras e terão
cumprido a exigência da lei ao realizar o encontro anual com seus acionistas.
Esta também deve ser a politica de Administradores de sociedades limitadas no
trato com os interesses de seus cotistas, pois é a maneira mais evidente de
documentar-se com relação à atitude proativa de prestação de contas, evitando-se
futuras alegações de omissões da administração quanto à publicidade de tais
informações.
Tais atitudes são corroboradas na prática, quando, de fato, se
alguma razão de força maior impede a conclusão dos trabalhos de preparação dos
balanços e demonstrações financeiras. Diante da impossibilidade física de se
enviar um material inconcluso aos interessados, não há nada mais a fazer senão
reconhecer tal fato e, de maneira ágil e diligente, procurar sanar tal
impeditivo para permitir a necessária deliberação. Apenas não se poder utilizar
tal situação para justificar a não realização da Assembleia Ordinária ou da
Reunião Anual de sócios, o que, per se, implicará em desobediência maior aos
direitos dos acionistas ou cotistas.
Portanto,
mesmo que seja uma exceção à regra e à praxe, é recomendável a realização de
Assembleia Geral Ordinária em sociedades anônimas ou da Reunião Anual de
Sócios, nas sociedades limitadas, ainda que o balanço anual e as demonstrações
financeiras não estejam prontas para serem submetidas a todos os interessados.
Agindo assim, com transparência espontânea, além de obedecer aos comandos
legais, os Administradores ganharão em credibilidade e estarão sendo fiéis aos
seus deveres de lealdade e diligência para com os interesses da empresa e de
seus sócios.